Ivo Porto de Menezes – Apresentado no III Congresso do CEIB, São João Del Rei, Agosto 2003. Publicado em Boletim do CEIB, Belo Horizonte, Volume 8, Número 28, Julho 2004.
Repassando, rapidamente, o rococó europeu, vamos sentir, próximo daquilo que se fez nas Gerais, os trabalhos dos artistas da Baviera, percorrendo o vale do Danúbio, emocionando-nos diante dos trabalhos de arquitetura de Dominikus Zimmermann na graciosa Wies, de Johann Michael Fischer na imponente Rott am Inn ou Ottobeuren e de Balthasar Neumann na igreja de peregrinação de Vierzehnheiligen. Mas sobretudo nos trabalhos de escultura de Franz Ignaz Günther, Johann Baptist Straub e nos estuques de Agid Quirin Asam é que se sente a liberdade de um rococó já desligado de suas origens renascentistas, transmitidas pelo maneirismo e barroco. As pinturas dos forros, lá mais nos salões dos palácios e também nas igrejas, ressente-se de uma liberdade criadora e desenvolta, nos trabalhos de Kosmas Damian Asam e Johann Baptist Zimmermann.
Na mãe-pátria, desenvolve-se, em especial além-serra da Estrela, um barroco e rococó igualmente criador, bastando lembrar os trabalhos de Nicolau Nasoni e João Antunes, entre outros, passeando por Viana do Castelo (capela da Casa Malheiros-Reimão) e por Braga (Madalena de Falperra),
Nas Minas Gerais, dentro de padrões diferentes de técnica e conhecimento, alguns anos mais tarde, desenvolvia-se uma arquitetura, uma escultura e uma pintura, que com a Baviera tinha semelhança na liberdade de expressão, desgarrando-se do modelo trazido de Portugal. Aqui, são as comunidades, organizadas em Ordens-Terceiras e Irmandades que, ao sabor das “entradas” ou dos anuais dos irmãos e das doações dos devotos, iam erguendo sua capela, levando décadas para construí-la, resultando, muitas vezes, em tê-las de reconstruir inteiramente, na época em que era já mister decorá-las como convinha ao serviço de Deus.
Conhecidos trabalhos nos cientificam do uso de modelos originários da Alta Alemanha, no dizer de Oliveira Marques, como os preciosos escritos de Myriam Ribeiro de Oliveira, bastando lembrar as gravuras dos irmãos Klauber (1).
O contato de Portugal e Alemanha foram bastante estreitos, desde o século XVI como nos descreve com precisão Oliveira Marques: “No plano artístico, não foram inferiores os contatos estabelecidos entre Portugal e a Alemanha. Num livro publicado no século passado (XIX), já Joaquim de Vasconcelos salientara a influência da obra de Albrecht Durer na evolução artística da Península Ibérica e as relações entre aquele pintor e portugueses residentes na Flandres. Durer visitou em Antuérpia os feitores João Brandão e Rodrigo Fernandes, que o receberam em suas casas e lhe tributaram presentes e atenções como em raros momentos da sua vida. Ao que parece, o artista teria retratado os feitores Francisco Pessoa e João Brandão.” Lembra-nos ainda o citado autor: “ Da alta Alemanha recebia Portugal, antes de mais, material humano: artífices, como ferreiros e serralheiros, ourives, paneiros e peliteiros, sapateiros e tanoeiros, encadernadores, livreiros e impressores.” “Este copioso intercâmbio traduzira-se, na terra portuguesa, pela fixação de uma colônia germânica relativamente numerosa.” “Estes escassos dados sobre a colônia germânica em Portugal só nos permitem verificar a realidade da importância, em número e em volume de negócios, dos residentes alemães na cidade de Lisboa” acrescenta o articulista. (2).
O tenente General Johann Heirich Bohm, de Bremen, vem para o Rio de Janeiro como Comandante de todas as tropas do Brasil. Em 1733, relata o Triunfo Eucarístico: “montado em um formoso cavalo, um alemão, rompendo com sonoras vozes de um clarim o silencio dos ares” (3), precedia um setor daquele cortejo. Nosso caríssimo amigo, o saudoso prof. Curt Lange, em vários de seus trabalhos ressaltou a importância desta presença, lembrando que “ os compositores de Minas Gerais, para citar um exemplo, se achavam inteiramente a par do que acontecia na Europa, porque recebiam, por iniciativa própria, por espírito de superação, tudo quanto se produziu na Europa, apenas com uma diferença de poucos anos (4).
Nas buscas nos nossos arquivos, deparamos com: “Um livro da Bíblia estampado por 4$800; Um dito Segredo das Artes dois tomos – 2$000; Dicionário francês por 2$000” (5), “12 Paladios a $600 – 40$000, 50 chinografia portuguesa com estampas pretas a $800 – 40$000, 50 Ciência das sombras a $960 – 48$000” (6); “nove painéis de Paises e figuras em que entra uma câmera (ou lamina) os quais pertencem ao Padre Joaquim Teixeira da Costa (7); Alembert – Elementos da Musica; Segredos das Artes, dois tomos; Dicionário das Artes, cinco tomos, Perizil – Instituições Imperiais; Prédio rústico; Oeuvres de Molière, cinco tomos, Tratado das Febres; Medicina doméstica, cinco tomos, são citados em inventário do Pe. Dr. Joaquim Veloso de Miranda, o fundador do Horto Botânico de Ouro Preto (8); e assim muitos outros livros.
Torna-se urgente, estudos outros, relembrando também a arquitetura para que se faça comparações entre os trabalhos de Antônio Francisco Lisboa, a abaular paredes para obter efeitos diversos e aquelas fachadas das igrejas da Baviera, como Berg-am-Laim e Ottobeuren de J. Michael Fischer, Vierzehnheiligen de Balthazar Neumann ou mesmo Eisiedeln (Suiça) e Weingarten de Caspar Moosbruger. Também as composições dos retábulos dos altares, em especial seus coroamentos, como do Convento de Banz ou Berg-am-Laim e em especial o da Abadia de Rott-am-Inn de Franz Ignaz Gunther, que já nos foi assinalado por Lúcio Costa (9).
O que aqui queremos deixar é nossa preocupação para que, a par do conhecimento dos modelos impressos, possam nossos especialistas mais capacitados, fazer uma análise comparativa dos diversos aspectos que nos chamam a atenção nestas obras produzidas por Gunther, Asam, Paul Egell, Johan Baptist Straub e seus quase contemporâneos mineiros, não somente Antônio Francisco Lisboa, senão também Xavier de Brito, e outros mais.
- Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira – Nos santinhos da Alemanha, uma fonte de arte genial do Aleijadinho, Estado de Minas; Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira – A escultura devocional na época barroca, Aspectos teóricos e funções, Barroco 18, p; 261; Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira – Antônio Francisco Lisboa, o Aleiadinho. Misticismo barroco e elegância rococó na arte, Catálogo da Exposição no Petit Palais, Paris, 1999/2000.
- A. H.de Oliveira Marques – Relações entre Portugal e a Alemanha no século XVI, Humboldt, nº 5.
- Furtado de Menezes – Igrejas e Irmandades de Ouro Preto, Publicações do IEPHA/MG nº 1, 1975, p. 41.
- Francisco Curt Lange – Um fabuloso redescobrimento, Revista de História nº 107. 1976, p. 58; ainda: Francisco Curt Lange – A organização musical durante o período colonial brasileiro, V Colóquio de Estudos Luso-brasileiros, Coimbra, 1966, p. 22; Francisco Curt Lange – Os compositores na Capitania das Minas Gerais, Revistas de Estudos Históricos nº 3 e 4, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marilia, 1965, p. 52; Francisco Curt Lange – La musica en Villa Rica (minas Gerais, siglo XVIII), separata da Revista Musical Chilena, nº 102-103. 1967/68, p. 35.
- Ivo Porto de Menezes – Manoel da Costa Athaide, Edições Arquitetura, UFMG, 1965, p. 140.
- Ivo Porto de Menezes – Pesquisa em Portugal, 1970 – Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa, Minas Gerais, caixa 70 (1802).
- Ivo Porto de Menezes – João Gomes Baptista, mestre do Aleijadinho – Barroco 5, 1973, p. 127.
- Inventário do Pe. Dr. Joaquim Veloso de Miranda – Códice 34, Auto 380, Cartório do 2º ofício de Ouro Preto.
- Lúcio Costa – Intermezzo, Rott-am-Inn, in Arquitetura, Biblioteca Educação é Cultura, vol 10, Bloch/Fename, 1980, p. 37.