Ivo Porto de Menezes

Publicado na Revista Vozes – Ano 53, abril de 1959, pág. 279.

O Decreto das Cortes.

Conhecidos pelos habitantes do Brasil os termos do Decreto  das Cortes de 29 de setembro de 1821, não se fez esperar a reação. O Rio de Janeiro se levanta para pedir a permanência do Príncipe Regente, São Paulo se lhe solidariza, enviando violenta representação ao Augusto Regente.

Sucessivas quarteladas antecedem e sucedem ao histórico 9 de janeiro. Hesita o Príncipe entre seu amor à terra adotiva e a obediência às Cortes, resolvendo ouvir o povo e permanecer no Brasil “até que as Cortes e meu Augusto Pai e Senhor deliberem a este respeito” 1, confirmando depois a frase que se tornou célebre.

Pensava, entretanto, o Príncipe em conservar-se unido a Portugal: “Não penseis em separação, nem levemente; se isso fizerdes, não conteis com a minha pessoa” 2, e somente com a evolução dos acontecimentos vem a histórica resolução de setembro.

Daí para a frente todo o seu agir é pelo Brasil, solicitando a adesão das demais Províncias.

O Documento.

Solicitado o auxílio de Minas, esta se vê dividida mais fortemente que o próprio Rio de Janeiro. Daí parte o manifesto de 30 de janeiro, assinado pelo Vigário Antônio da Rocha Franco, pelos coronéis Fernando Luís Machado Magalhães, Joaquim Ferreira da Fonseca, Manuel José Pinto e Carlos de Assis Figueiredo, pelo Capelão do Regimento, José Joaquim Viegas de Menezes, por Manuel José Monteiro de Barros, pelo Vigário Francisco José Pereira de Carvalho e pelo Tenente Coronel Joaquim dos Reis, favorável a “em respeito ao oficio do Príncipe Regente, remeter-se ao Rio de Janeiro ao menos parte do socorro pedido 3.

0 Governo Provincial, entretanto, não concordava com isso, como se infere mesmo da resposta que deram à intimação enviada do Capão do Lana, por S. A. R., escrevendo: “O governo Provisional sente porem toda a satisfação com a certeza da vontade dos Povos e desejando conformar-se com o seu voto …”4

A esta rebeldia do Governo vem juntar-se o manifesto assinado por alguns dos mais representativos habitantes de Vila Rica, trazendo em suas linhas as causas (até agora desconhecidas) de seu proceder. Se bem não possua data, podemos precisar sua escrita no dia 31 de janeiro, tendo-se em vista que a convocação da “Câmara da Vila, como o fizeram no dia 30 do corrente”, segundo nele mesmo se lê e o que no manifesto já citado linhas atrás se diz: “sendo convocados de parte do Senado da Câmara desta Vila na manhã de hoje 30 de janeiro”5. Assim, somente o dia 31 seria do corrente, único dia após a assembléia de clero, nobreza e povo, de 30 de janeiro de 1822. 

Eis, na íntegra, o documento:

“Ilmos. e Exmos. Senhores. Os Povos desta Capital de Vila Rica abaixo assinados informados de que a VV. Excias era pedida a possível gente armada, para socorrer a Causa da Província do Rio de Janeiro, e as suas atuais circunstancias, depois de haverem combinado tantos impressos antecedentes, vindos daquela mesma Província, e ajuizado com sua dureza e verdadeiro Patriotismo sobre uma tal exigência, conhecendo perfeitamente o motivo, por que a dita Provinda se resolveu a pegar em armas contra as Tropas de Portugal, e que não fora outro, se não o de querer Ela sustentar despoticamente, e conservar esses direitos chamados possessórios da representação Política a que chegara, e das vantagens, que lhe trouxera a Monarquia estabelecida no seu seio; e o amargo, que lhe ocasiona o receio de ver extintos os Tribunais ali criados; Tribunais que tiveram sempre sujeitas, e com prejuízos incalculáveis esta, e as mais Províncias do Brasil; conhecendo, que os seus sentimentos se deviam ao Decreto das Cortes de 29 de setembro de 1821, que El Rey Constitucional mandou; fosse presente as Autoridades do Reino, e vendo por uma parte a sem razão, com que procedem neste artigo os povos da dita Província, querendo por um direito tão somente de posse escravizar, sujeitar, e conservar em mutua dependência as demais Províncias; e que o meio único, enganoso e imperceptível de muitos, por onde facilmente o conseguiriam, era o de fazer ali reter a Pessoa de S. A. o Príncipe Real, obrigando-os a necessidade atual a fazer em tão breve tempo duas muito diversas representações a semelhante respeito, e vendo por outra, que o mínimo socorro se reproduziria contra esta mesma Provinda de Minas, quando esperançada já no Projeto das Cortes titulo 5.0 Cap.o 1.0 do Poder Judicial Art.o 154 contemplava, e reconhecia a grande prosperidade, que é comum, e pode de semelhantes estabelecimentos, resultar a esta, e mais Províncias Centrais, de se criar em cada uma delas a competente Relação, e mais Tribunais, que refere o Art.o 158; vendo, quão perigosas conseqüências podem nascer do mínimo movimento formal declarado à disputar as Determinações de El Rey, e das Cortes; mormente quando Elas tem desde muito decretado ouvir, esperar, e consultar os Deputados de todas as Províncias do Brasil, para lhes ser comum a Lei, sem que baste o dito Decreto, para que se em partes não pode concordar com as circunstâncias do Brasil, Elas estão prontas a ouvir a todas e para isso deixaram no Art. 7o das Bases da Constituição livre a Comunicação de pensamentos e não deve por tanto haver algum receio de representar, e se ha de obter; vendo finalmente, que os inimigos da causa estão espalhados por toda a parte, que o Despotismo não se pode extinguir de todo; por que enquanto viverem os que se locupletaram por ele, os que com ele somente se acharam, não deixará de haver um grosso partido contrario, e que não tendo Minas mais que um Regimento regular de Cavalaria, esse muito se acha retalhado, e dividido por tão diferentes, e longínquas partes da espaçosa Província; e que por isso não pode dispensar uma só arma; antes está precisada de criar Tropas, para rebater qualquer insulto; como se viu obrigada a fazer ao tempo da instalação do Governo, em que apareceram temerários, a querer disputar a mesma ação, de que estão sendo testemunhos os processos formados contra vários, e um deles preso: por todas estas razões não querendo os Superiores responder a El Rey, às Cortes e nem mesmo ao Supremo Arbitro, por darem causa, consentimento a desunião, e a Anarquia, e consultando igualmente outras muitas precisões, que tem das mesmas armas para fazer conter rebeldes de outra natureza, e algumas insurgências servis, que se tem declarado por diversos lugares da Província: Se resolveram convocar a Câmara da Vila., como o fizeram no dia 30 do Corrente para lhe propor seus sentimentos, e ela como cabeça popular levá-los a presença de VV. Excias., e como assim praticam e não se desprezaram VV. Excias, d’ouvir as representações de um Povo que tanto se tem distinguido a favor da causa Constitucional, permitindo lhe apresentar por escrito seus pensamentos e razões; e por isso que se apressam os Suplicantes em declarar a VV. Excias, que a segurança do Pais, e ao bem do mesmo não convém por forma alguma, que a Província de Minas se comprometa com El Rey, e as Cortes, nem faça mover e pegar em a mínima arma sem a maior necessidade a socorrer a deliberação da do Rio de Janeiro por isso mesmo, que por meios indiretos sim, mas bem conhecidos, e notórios quer fazer oposição e destruir a força de armas, o efeito do citado Decreto das Cortes em socorro que pede só tem em vistas desunir, e separar um de outro Hemisfério, e esta Província se deixar convencer de suas máximas sem penetrar, que fazendo-o vem a dar armas contra si mesmo, pois que só dessa forma ficaria, no sistema antigo aquela cidade e na posse de seus suspirados Tribunais, e sem mais esperanças de vê-los em seus territórios a de Minas e mais Províncias do Brasil, o que lhes não convém, nem poderá nunca convir; sendo tão bem certo, que não podendo a de Minas prestar auxilio algum suficiente ainda para uma causa justa, qualquer que enviasse alem de nada aproveitar, chegando tarde e a mas horas apenas serviria para indispor Minas com El Rey e as Cortes. Lembram os Suplicantes a VV. Excias que a pouco acabam de marchar para elas os Deputados Mineiros com toda a boa inteligência e harmonia, e que não é licito tomar e seguir partido outro contrário, nem inovar por ora nada, que possa encontrar a união comum, nem fazer desatar os laços da Regeneração Política da Nação Portuguesa, que as mesmas Cortes procuram tanto estreitar, e nem por outra cousa deve concorrer jamais esta Província, para se lhe não imputar em tempo algum o motivo de uma separação terrível, e de conseqüências perigosíssimas, o que tendo se talvez houvesse quem ponderasse a Sua Alteza o Príncipe Real, e lhe falasse sincero, o faria mudar repentinamente de parecer. Entretanto convém aos Suplicantes protestar por todos os seus direitos, pelos da causa comum e juramentos, que prestaram, esperando que VV. Excias que só neste passo podem arriscar, ou salvar a Província, atendam as presentes reflexões e as mandem levar a imprensa.

E. R. Mercê.. 

Pedro da Costa Fonseca. Bento Pereira Marques. José Bernardo da Gama. Carlos José Alvares Antunes. José Rodrigues Pinto de Souza. José Gonçalves Pimentel. Manoel José Fernandes d’Oliveira 6. Antônio José Ferreira Bretãs 7. Joaquim José da Costa Neves. Nicolao Soares do Couto Te Cel 8. Luiz Augusto Soares do Couto 9. Manoel Coelho Pereira. Luiz de Vasconcelos Barradas e Souza. Teotonio Vicente Ferreira Bretãs.  Antonio Neto Carneiro Leão 10. Caetano José Machado de Magalhães 11. Francisco Guilherme de Carvalho. José Ferreira de Souza Leme. Luciano Pereira de Souza. Francisco Xavier Tassara de Padua 12. José Dias Monteiro.”

A Revolta de Vila Rica.

Em tão grave momento não sairia do Rio de Janeiro, para vir a Minas, o Príncipe Regente, se aqui não estivesse acontecendo algo bastante grave.

A rebeldia do Governo local foi sem dúvida um motivo justificado, mas também um “incendiário motim que houve nesta Capital, antes e no dia que S.A.R. deu entrada na mesma Capital” 13  seriam motivo para sua vinda a esta Província.

Não tão simples seria este motim, pois, em sua caminhada, na Vila de Queluz “ordena ao Comandante do 1° Regimento de Cavalaria da Comarca do Rio das Mortes, que sem perda de tempo reúna seu Regimento e faça imediatamente partir para a Capital de Vila Rica por Esquadrões toda a força que for reunida; e Espera que o mesmo Comandante cumpra, e empregue toda a atividade nesta importante diligencia, que vai salvar aquela Capital dos horrores, que alguns malvados tem preparado com ofensa da liberdade Constitucional dos Povos, e dos interesses verdadeiros da Província de Minas Gerais e do Reino Unido” 14.

Igual teor, é enviado ao 2° e 3° Regimento e ao Esquadrão avulso de Campanha.15.

Chegado a Vila Rica, abafado o motim, manda “que o Desembargador Juiz de Fora da Cidade de Mariana Agostinho Marques Perdigão Malheiros imediatamente, que receber esta Portaria passe a suspender do exercício de suas funções o .Bacharel Cassiano Speridião de Mello Mattos, Juiz de Fora desta Vila (Rica) e Termo, servindo atualmente de Ouvidor, pela conduta incendiaria, e revoltosa que tem patenteado nesta Capital, fomentando partidos desastrosos, e podiam ter. trazido sobre esta pacifica Vila incalculáveis males, intimando, logo para que no prazo de vinte e quatro horas saia desta Vila, e se apresente dentro do prazo de quinze dias contados desta data, na Corte do Rio de Janeiro”16.

Os Indiciados.

Além do Bacharel Cassiano Speridião de Mello Matos, outros funcionários participaram da revolta. Assim, Pedro da Costa Ferreira (signatário do manifesto), Caetano Machado de Magalhães (também signatário) e Antônio José Ribeiro Fernandes Fortes são também pronunciados “por ser publico e notório serem eles os autores do incendiário motim que houve nesta Capital antes e no dia que S.A.R. deu entrada na mesma Capital” 17.

Além destes, outros vão sendo conhecidos e pronunciados, como o Tenente Coronel Nicolau Soares do Couto, José Bernardo da Gama Ferreira Leborão e Francisco Guilherme de Carvalho (todos signatários do manifesto) e que são perdoados pela “Real Clemência” de D. Pedro, contanto que assinem termo perante o Ministro do Processo, prometendo não mais perturbar a Ordem pública e respeitar as autoridades constituídas 18, enquanto suspende de seus “empregos e ordenados” aos que exerciam cargos públicos, quais sejam, Antônio José Ferreira Bretas (signatário), Escrivão da Pagadoria; João Joaquim da Silva Guimarães, Contador da Contadoria da Junta da Fazenda Pública; José Bernardo Fonseca da Gama Leborão (signatário), Terceiro Escriturário; Caetano José Machado de Magalhães, Fiel de Tesoureiro. Os dois primeiros devem partir para o Rio de Janeiro, enquanto o último irá preso.19.

Antônio José Ferreira Bretas consegue, ao invés de ir para o Rio, ser “desterrado” para a Vila Nova da Rainha do Caeté.20.

Devido entretanto à “Constante e Paternal Clemência” do Príncipe Regente, vêem-se perdoados no dia seguinte à condenação Antônio José Fernandes Fortes, Pedro da Costa Fonseca e o preso Caetano José de Magalhães 21.

Revolta 1822

Serenados os ânimos “raiou enfim a liberdade”22.

“Razões políticas Me chamam à Corte”, declara o Príncipe, “Eu vos agradeço o bom modo com que Me recebestes, e muito mais terdes seguido o trilho que vos Mostrei”.

E, continuando seus conselhos paternais, diz ainda: “Vós amais a liberdade, Eu adoro-a. Fazei por conservar o sossego de vossa Província, de quem me Afasto saudoso. Uni-vos coMigo, e desta União vireis a conhecer os bens, que resultam ao Brasil e ouvireis a Europa dizer: o Brasil é que é grande, e Rico; e os Brasileiros é que souberam conhecer os seus verdadeiros direitos e interesses” 22.

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CITAÇÕES

1 – Moreira de Azevedo, O dia 9 de janeiro de 1822, na Rev. IHGB, tomo XXXI, parte II, 1868, vol. 37, p. 42-3.

2 –  Habitantes do Rio de Janeiro, in História da Independência do Brasil, de Varnhagen, 3a ed., Melhoramentos, p. 100-1.

3 –  Revista do Arquivo Público Mineiro, Ano XIV, 1909, p. 369.

4 –  Id., p. 370. 

5 –  Id., p. 369.

6 – Tenente Coronel, natural de S. Pedro de Pedone, filho de Manuel Rodrigues e Inácia Fernandes Vieira, casou-se em Cachoeira do Campo a 6 de novembro de 1777 com Ana Joaquina de S. Boaventura. Morou no Inficionado na fazenda da Cata Prêta.

7 – Sargento-mor, funcionário da Pagadoria Provincial. Faleceu solteiro em Ouro Preto a 17 de novembro de 1841, filho do Cap. Domingos José Ferreira.

8 – .Tenente Coronel e posteriormente Coronel, português, casado com Angélica Alves de Miranda, foi prior da Ordem Terceira do Carmo. Seu filho, o Coronel Manuel Soares do Couto foi chefe da sedição militar de 1833, contra o Presidente Provincial Manuel Inácio de Melo e Sousa (Barão de Pontal).

9 –  Capitão, filho do precedente, casou-se em 1828 com Gabriela Cândida Soares Neto Carneiro Leão.

10 – Coronel. Casou-se duas vezes em Ouro Preto, com Joana Severina Augusta, em 1798, e Rita Cássia Soares do Couto (sobrinha da 1a esposa), em 1807.

11 – Casou-se em 29-8-1824 com Teresa Marcelina de S. Joaquim, filha do Sargento Mor Antônio de Oliveira Pinto.

12 – Ajudante, filho do Capitão Antônio Tassara de Pádua, natural de Vigna, província de Gênova, comandante do distrito de S. Sebastião e fundador da Casa da Moeda, Procurador Geral e Subprior da Ordem Terceira do Carmo de Vila Rica. Casou-se em 1814 com Matilde de Magalhães Gomes, e em 1841, com Venância de Oliveira. -Todos estes dados foram tirados de Con. Raimundo Trindade, Velhos Troncos Ouropretanos.

13 – In Rev. APM, ano XIV, p. 390.

14 – Id., p. 377-8. 

15 – Id., p. 378. 

16 – 1d., p. 370-71. 

17 – Id., p. 390. 

18 – Id., p. 397.

19 – Id., p. 396-7. 

20 – Id., p. 403. 

21 – Id., p. 405. 

22 – Id., p. 372.