Resumo

O aspecto atual da praça principal da cidade de Ouro Preto sofreu inúmeras alterações que merecem ser assinaladas. Igualmente quer seja a utilização, quer seja principalmente a arquitetura das edificações sofreram variações ao gosto ou necessidades da época. Fotos e esquemas permitem uma visualização de sua evolução.

Palavras-chave

Ouro Preto – praça – arquitetura – utilização – evolução

Abstract

Now a days the aspect of the Ouro Preto’s principal square have soffered many alterations that must be distinguished. Equally be in the use even  in the buildings architectura suffered variations in the taste and necessity of the age. Photos and schemas permit visualization of its evolution.

Key Word

Ouro Preto – Square – Architecture – Utilization – Evolution

PRAÇA TIRADENTES – OURO PRETO

“A praça”, “da Independência”, “Tiradentes”, são nomes que tomou este logradouro, ao longo do tempo, cumpre analisar sua trajetória, como centro histórico de vila e cidade, cheia de história e vida. 

Percorrendo nosso álbum de fotografias, verificando as reproduções fotográficas inseridas em vários livros, em especial os que procuravam fixar a história da cidade, fomos encontrando parâmetros de uma evolução não só das edificações ali construídas, senão também a própria evolução do tímido “alto de Santa Quitéria”, para se tornar o centro da vila e cidade de Ouro Preto. Pesquisas em documentos guardados em arquivos daquém e dalém mar, releitura de viajantes que fixaram em palavras as impressões obtidas na visita ao local, foram confirmando ou modificando visões antigas do centro da velha cidade.

Da primeira impressão, ainda quando as duas aglomerações se distanciavam em vizinhança, quase nada se pode reproduzir, cada qual visando mais seus interesses mineiros. Mesmo quando o governador Antônio de Albuquerque resolve que se tornem uma única vila, ainda é em seu palácio da Encardideira, cedido pelo Capitão mor Henrique Lopes de Araújo (PHAN, 1939:314), que se reúnem, que são tomadas as decisões necessárias ao futuro abraçar das duas povoações, na Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, (ou do Albuquerque, como queria o modesto governador).

Em torno do Pelourinho, sinal de presença da honrosa situação de Vila, a partir do qual se demarcariam as terras, para o norte e o sul, para o leste e o oeste (Vasconcellos,1956:34), já vislumbramos a vila, com sua “praça”, agora localizada no alto de Santa Quitéria, com configuração diversa do que hoje presenciamos. Casa de fundição, construída que fora para quartéis (AHU:241), já caída em parte (AHU:24), outra parte transformada na morada dos governadores, a partir de Gomes Freire de Andrade (APM:21), quartel demolido e construído a meia encosta, novo palácio projetado pelo Tenente Brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim (AHU:21), construído com a colaboração preciosa do mestre das obras reais Manoel Francisco Lisboa (MENEZES,1975:140), delineiam a praça em seu lado norte.

Próximo, no lado do nascente estará construída,  em 1731, a Santa Casa de Misericórdia, com sua Capela de Santana (AHU:44), inaugurados pelo governador em 1740 (FURTADO,1975:84). Erguida sob a orientação do mestre citado, que ali continuava “suas lições práticas de arquitetura que interessaram a muita gente”, como nos transmite o vereador segundo de Mariana, com seu “ar jônico”, gracioso exemplar que hoje já não podemos admirar (PHAN,1951:30). Do lado do poente, estará construído, em parte, como veremos mais adiante, aquele conjunto que é conhecido pelo nome do seu provável projetista, o tenente brigadeiro (Conjunto Alpoim). 

Sobressai, então, a presença do Pelourinho, no centro da praça, símbolo da Vila, símbolo do poder (APM:53). Chafariz de uso público, tão necessário, estaria participando deste ambiente, construído encostado a arrimo que levantava o terreno, para que o acesso ao palácio dos governadores fosse mais fácil (APM:14). Junto às edificações, fronteiras à Santa Casa, se fazia mister “fazer a calçada que principia na praça, na porta do Dr. Cláudio até o cunhal do hospital velho,…” e nesta calçada “lhe lançará bastante terra para que alteada a calçada, fique menos subir a que entra para palácio por não ser tão íngreme, a eleição do Sr. Governador” (APM,1760). Eis aí a primeira visão da “Praça”, como então era simplesmente conhecida e citada. Estamos em pleno século XVIII. Lembrança deste passado está gravada na aquarela pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (Foto 1)

Tempo decorrido, centro real da cidade, ruas convergindo e novas se abrindo para seu acesso, já se mostra bem diversa. Não mais o pelourinho é sua referência, transferido, em 1797 , para a “nova praça”, fronteira à casa dos Ouvidores. Em 1865, é uma Coluna mandada levantar para homenagear os Inconfidentes de 1789, que marca o ideal novo dos moradores, inaugurada por Saldanha Marinho (foto n. 2). Em meio aos jardins seria ela erguida. Alguns edifícios, anteriormente citados, estão mantidos, como a Santa Casa de Misericórdia, já então, sede da Assembléia Provincial (foto n. 3), enquanto é demolida a Capela da Senhora Santana, por volta de 1780, para que desse lugar à abertura do caminho que ia de Água Limpa ao Taquaral, no sentido de unir mais direta e seguramente Vila Rica a Mariana, o caminho das Lages(APM:130). O Palácio dos Governadores já exigira a construção de novas rampas que dessem melhor acesso à sua porta de entrada, agora  voltada para a praça, quando, anteriormente, era feita pelo lado maior do retângulo, lado voltado para os quartéis (SAINT-HILAIRE,1975:72 – foto n. 2). Jardins (foto n. 4), posteriormente retirados (foto n. 5), árvores plantadas (foto n. 5 e 6) e retiradas (foto n. 7), tudo em franca evolução, ao sabor de necessidades e modificações. Termina-se a construção do belo edifício da Casa de Câmara e Cadeira, visão inicial do governador Cunha e Menezes. Estaremos agora em pleno século XIX.

Centenário da revolta de 1789 se aproxima, também o bicentenário da criação da Vila, homenagens maiores devem ser prestadas. Tudo se transforma, a coluna é julgada modesta e vistoso monumento projeta Virgilio Cestari. Ali se ergue o novo monumento, demole-se a antiga coluna (foto n. 7). As edificações estão modificadas. A Assembléia Provincial dera lugar à Câmara dos Deputados e ao Fórum, já agora com um novo ar, mais “moderno”, neoclássico como era conveniente (foto n. 6). Árvores, novamente, são plantadas, crescem e são retiradas. Iluminação é colocada, a vela, a querosene e depois elétrica (Vasconcellos, 1956:122). As casas se modernizam, tomam novas feições, raramente mantidas como antigamente (Foto n. 9). Estaremos agora em pleno século XX.

Conjunto urbano de grande importância, por certo foi constituído por elementos particulares, que ora lhe deram importância por seu aspecto político ou social, ora lhe deram importância por seu aspecto artístico ou arquitetônico. Cumpre mencioná-los e percorrer também seu crescer junto com a vila e a cidade.

A Santa Casa de Misericórdia, construída por homens preocupados com a assistência aos doentes da Vila, antes mesmo de que se cumprisse o legado do Capitão Mor Henrique Lopes de Araújo, apresentou seu “ar jônico” dado por seu construtor Manoel Francisco Lisboa, que dele se servia, como já assinalamos, para continuar com suas aulas práticas de arquitetura, que interessavam a muita gente. Já em 1740 era inaugurada, agora sob o patrocínio do governo, que assim tentava cumprir o legado anteriormente referido. Agradável aspecto arquitetônico nos apresentava, fixado em traços gerais, não só no desenho pioneiro (Foto n. 1), senão nas fotos posteriores que ainda se obteve (Fotos n. 3 e 4). Arcos no térreo foram reencontrados quando da restauração de 1957 e deixados à mostra na parte interna do atual edifício. Das sacadas, donde, por certo, faziam suas preleções os deputados, nada resta, modificada ou quase diríamos demolido que foi o edifício que nos legou o mestre Lisboa (figuras 1 e 2). Aquele pretendido ar jônico foi substituído por uma composição que procurava inspirar-se no mesmo estilo clássico do passado, agora visto sob novo prisma, o do neoclassicismo (Fotos n. 6 e 7 – Figura n. 3) Após o incêndio que o devorou em 1949 (Foto n. 8), é reconstruído em 1956/7, sob nova estrutura em concreto armado, mantido o aspecto geral, substituída a platibanda por cachorrada aferente, numa sugestão do arquiteto Lúcio Costa (Figura n. 4). Ali, então, vai localizar-se, não mais o Fórum, que dele se utilizara por muitos anos, passando a abrigar o Centro Acadêmico da Escola de Minas. A Capela da Senhora Santana já havia desaparecido, pelo interesse do progresso, como acima acentuamos. Aqui caberia lembrar, esclarecendo anterior afirmativa, que ali se encontrava, ao lado da Santa Casa, a antiga capela e não na esquina da atual rua das Flores, já que documento a situa como filial da freguesia de Antônio Dias, enquanto a Capela de Santa Rita era filial da freguesia da Senhora do Pilar (AHU:44 – foto 1).

Fronteiro à Santa Casa, ali sim, se construiu, ao longo do tempo, conjunto arquitetônico, conhecido como Conjunto Alpoim, cujo projeto se atribui, de longa data, ao mesmo arquiteto do palácio, o tenente brigadeiro. Sua construção, já existente na primeira representação conhecida da praça (foto n. 1), tem aspecto bem diferente do conhecido por nós (Figura n. 5), com suas “logeas e sobrelogeas” (Menezes, 1964:139), em 1833 ainda estava incompleto, com várias partes por concluir, como nos transmite documentação encontrada (APM:02 – Figura n. 6). Este conjunto é de propriedade da Santa Casa de Misericórdia (Figura n. 7). 

No tocante ao belo prédio da Casa de Câmara e Cadeia, hoje abrigando o Museu da Inconfidência, devemos inicialmente lembrar a existência de outros prédios que abrigaram as mesmas funções iniciais deste, isto é, Casa de Câmara e Cadeia, nesta mesma praça, em local diferente do atual. Ainda não se pode precisar o local exato em que se situava. Se Feu de Carvalho em seu trabalho “Reminiscências de Vila Rica” (CARVALHO,1921:293) a situa no meio da praça, fazendo frente ao Palácio, junto à atual Casa da Câmara Bernardo de  Vasconcelos, acima do beco que da praça desce para a rua dos Paulistas, permitimo-nos descordar do ilustre pesquisador, uma vez que não se pode identificar o referido beco como a calçada “detrás da cadeia, no beco que vai pelas casas do Ouvidor”.  Também a mais antiga representação da praça (Foto 1) situa o pelourinho próximo à esquina da atual rua Direita, face às edificações ali representadas. Igualmente, não se pode concordar com a localização “do outro lado, em frente, uma capela de Santana no começo da rua das Flores, antiga dos Quartéis”, isto porque, pertencia a Capela de Santana à jurisdição da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, conforme se lê no documento assinado pelo Vigário Vidal José do Valle (AHU:44). Falando do Pelourinho, identificando-o entre a Casa da Câmara e o Palácio, trazendo preciosas citações de documentos sobre sua localização, levantado na “nova praça”, pensa tratar-se de uma praça novamente reorganizada no mesmo local da tradicional praça da Vila. No entanto, o próprio documento citado, da arrematação das obras por José Ribeiro de Carvalhais, em 1797, dá-nos indicações de onde se encontrava esta “nova praça” ao dizer que “teria que fazer um paredão de uma rua a outra, principiando na frente das casas que estavam defronte a São Francisco de Assis e eram do furriel Manoel Ferreira até a rua Direita, que segue da praça para Antônio Dias (CARVALHO,1921) levantando até a altura que fosse bastante, para que a dita praça ficasse no nível, dando-lhe a largura para a segurança do aterro que se havia de fazer com bom alicerce”. Tal arrimo é forçosamente identificado, pelas características mesmas citadas, como aquele que ainda hoje existe no local que foi aproveitado, a certa época, como mercado e onde hoje se localiza a feira de artesanato, fronteira à Capela de São Francisco de Assis. Mais ainda quando cita: “faria outro paredão, que principiaria na esquina do quintal do tenente coronel Manoel Teixeira de Queiroga, seguindo para baixo, para suster a rua que desce da cadeia para a igreja de São Francisco, desaterrando o que fosse necessário, de maneira a dar passagem por baixo, sendo concluído com a respectiva cortina, de lajes, assentes sobre cal”. É sabido que a casa do Dr. Queiroga é aquela atualmente ocupada pela Pousada do Mondego, embora não propriamente como hoje se conhece, já que sua parte mais próxima ao beco era recuada do alinhamento, possuindo ainda quintal. Aliás, isto pode ser muito bem observado, inclusive o arrimo construído, assim como a presença do Pelourinho, na pintura que nos deixou Armand Julien Palière e que hoje se encontra em exposição no Museu da Inconfidência. Aqui, será identificada forçosamente a “rua que desce da cadeia para a igreja de São Francisco” ou “detrás da cadeia, no beco que vai pelas casas do Ouvidor” acima citada, a hoje rua Amália Bernhaus. Citaríamos ainda  o que escreveu Diogo de Vasconcellos (Vasconcellos,1901:790:): “se regulou a nova praça, que comunica com a Igreja de São Francisco, onde foi levantado o pelourinho”. Acrescente-se a isto que compreendia ainda a arrematação: “Mudar e levantar o pelourinho no meio da praça, fazendo-lhe primeiramente uma sapata de pedra e cal e assentar  o mesmo também com cal, fazendo conduzir as pedras que se achavam defronte da cadeia”. 

Para a Praça, aos poucos vão sendo abertas outras ruas que melhor lhe dêem acesso – as ruas chamadas novas, também chamadas direitas. Assim o “Caminho novo que vai para o pelourinho” ou a “Rua nova que vai do Ouro Preto para a casa da Câmara” ou ainda a “Rua nova da praça” assim como a “Rua direita da praça para Antônio Dias” (APM:38).

Queremos crer, portanto, que a segunda casa de Câmara e Cadeia se encontrava pouco à frente da atual, entre o local do prolongamento da atual rua Conde de Bobadela (Direita) e o Museu da Inconfidência (Casa de Câmara e Cadeia). De fato, em 1762, José Vieira da Cruz recebe de vários concertos na Casa de Câmara e Cadeia, em especial para “reparar o reboco das paredes e cimalhas do lado da casa do defunto Lourenço Dias” (CARVALHO.1921:303). No lançamento dos moradores da “ladeira de Ouro Preto da ponte até a Casa de Câmara, da parte do Sul”, encontramos as “Casas do Capitão Lourenço Dias Rosa na rua Nova da Praça, confrontando com Manuel de Siqueira e partem com chãos da mesma Praça” (VASCONCELOS,1955:192). A construção do projeto do governador Cunha e Menezes, obedece à determinação da Câmara que esta se localizasse entre as casas de Domingos Gonçalves e a Estalagem (CARVALHO,1921:311), sendo compradas e demolidas casas (LOPES,1955:237), para permitir a ampliação da praça. Talvez entre as demolidas casas, estivesse também a Capela de Santa Rita dos Presos, construída em 1725 (MENEZES,1975:165), que teve suas portas ampliadas, quer a do lado de  Antônio Dias, quer a do lado de Ouro Preto, para que os presos, sem saírem da cadeia, pudessem ouvir missa (CARVALHO,1921:310) e filial da freguesia de Nossa Senhora do Pilar. A localização exata da capela não foi possível ainda fixar, por falta de documento mais preciso, embora se tenha notícia referente à casa de Mathias Borges, na praça, “pela parte do poente”, “as quais partem do poente com a Capela de Santa Rita” (APM:38). A execução do imponente edifício da Casa de Câmara e Cadeia requereu, inclusive, o rebaixamento da praça, dando motivo a que alguns reparos fossem procedidos em casas particulares, como o efetuado na casa de Domingos Gonçalves, já citado, de Felix Pereira (MENEZES,1975:155) ou na “rua de Santa Quitéria,” pertencente a “D. Isabel Felicia Seixas, viuva do Sargento-mor Francisco Sanches Brandão. Poente: adro da Capela do Carmo; nascente travessa da Cadeia e Praça”, (Vasconcelos,1955:230), onde hoje se encontra a escada de acesso à referida Capela, a partir da praça ou até mesmo a compra da casa de D. Brigida da Costa para “alinhamento da praça” (MENEZES,1975:155).

Por outro lado, onde hoje encontramos o alteado Palácio dos Governadores, inicialmente localizava-se a Casa de Fundição, com o competente quartel dos soldados que mantinham guarda ao precioso tesouro que ali permaneceria até remessa a Lisboa (MENEZES,1975:171). Nela planeja recolher-se o governador Gomes Freire de Andrade, já que era mister entregar as casas oferecidas por Henrique Lopes de Araújo a seus antecessores, para que morassem, localizada na Encardideira, mas que deixara Henrique Lopes de legado para a criação da Santa Casa de Misericórdia (MENEZES,1975:176). Se a elas se recolhe, vê parte delas ruírem, o que obriga a vinda do citado brigadeiro Alpoim, para projetar uma nova residência para os governadores (MENEZES,1975:179), aquela casa forte de que nos fala o cronista marianense. O quartel é, por conseguinte, desativado, cabendo à Câmara dos Vereadores manter a tropa, pagando-lhes alojamento em casas residenciais (MENEZES,1975:181). E o palácio vai sendo construído pelos vários oficiais pedreiros, carpinteiros e canteiros, sob a chefia de Manoel Francisco Lisboa. A influência de Vauban é bem explicita na concepção geral da edificação. Baluartes cheios de terra, guarita em suas extremidades, peças de artilharia, a duras penas trazidas do litoral estão em suas plataformas. Quartos novos vão sendo acrescentados (MENEZES, 1978:88), tornando necessário o desaterro dos baluartes, para ali colocarem novas salas a serem utilizadas pela Junta da Real Fazenda (MENEZES,1975:132). Reforçado um destes baluartes, sobre ele é construída uma capela da Senhora, que se vê adornada de belo altar e retábulo executado por Manoel Francisco de Araújo (MENEZES,1978:91), com arco-cruzeiro que devemos creditar a Antônio Francisco Lisboa (MENEZES,1978:84). Muito ainda se teria a considerar sobre construções e “reedificações” neste palácio.

Cercam ainda esta praça inúmeras construções de comercio e residências, hoje quase exclusivamente de comércio, não fora dois teimosos moradores que ainda ali se conservam. Nem se pense que sempre estiveram assim dispostas estas edificações, com as mesmas características arquitetônicas. A aquarela, já citada, nos mostra edificações bem simples, térreas ou já “de sobrado”, sumariamente representadas no desenho, mas características de uma preocupação com edificações colocadas em praça de destaque na vila (Foto n. 1). Focalizamos, linhas atrás, algumas edificações residenciais, como o chamado conjunto Alpoim. Seria ainda de se destacar:  a casa do Cel. Carlos José da Silva (VASCONCELOS,1955:230), ocupada depois pelo  Barão de Camargos (PREFEITURA,1872:7) e hoje abrigando a sede local do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Imediatamente abaixo está a atual Casa de Câmara, inicialmente residência, posteriormente Fazenda Provincial e Senado Estadual. Na esquina da rua das Flores, existiu uma construção de apenas um pavimento, quando da já citada aquarela, em 1826, no entanto,  ali estava  um terreno desocupado, pertencente à Santa Casa de Misericórdia (PREFEITURA,1872), dando lugar, posteriormente, a prédio de dois pavimentos, que hoje abriga agência bancária; segue-se-lhe o citado conjunto Alpoim. “Mística” a este conjunto, apreciamos  casa que, se possuía beiral encanhorrado (Foto n. 3), recebe posterior platibanda em sua fachada da praça. Abrigou, desde 1808, o 3º Passo do Senhor, casa que, então, pertencia a Manoel Corrêa de Sá (FURTADO,1975:80). No correr da praça, atravessada a rua Conde de Bobadela, a tradicional rua Direita, haveriam outras casas, a primeira, esquina da citada rua Direita (hoje n. 114), mantém, ainda em 1870, suas fachadas características do século XVIII, somente mais tarde transformada para o novo gosto dominante, resquício único no conjunto da praça, como nos mostra foto de Liebenau e foto existente no PHAN, exposta pelo Museu da Inconfidência (Foto 9), de interessante movimentação nos elementos arquitetônicos de suas fachadas (Figuras n. 8, 9, 10 e 11). A última deste correr, esquina da rua do Carmo (hoje n. 140), é onde se situava a casa do citado Domingos Gonçalves da Cruz (Vasconcelos,1955:230). Todas elas sofrem variadas modificações (figuras 13 e 14). Do outro lado da atual praça, estaria casa (hoje n. 95), acrescida que foi pela chegada ao alinhamento de puxado, anteriormente recuado, frente ao qual se podia ver modesto jardim (Foto 11). Transposto o beco que descia para a casa do Ouvidor, haveria, quem sabe, a Estalagem, citada na carta do governador Cunha e Menezes aos camaristas, quando sugere o local da nova Casa de Câmara e Cadeia (CARVALHO,1921:293), onde hoje se encontra o Anexo do Museu da Inconfidência, sobrado de  janelas rasgadas com seus trabalhados balcões (BURMEISTER,1998:343).

Alguns moradores da praça poderão ser citados, (em 1890): Dr. João Pinheiro da Silva (Advogado), Dr. Claudio Alaôr Bernhauss de Lima (Medico), Comendador Joaquim Manoel Brandão (Procurador), Dr. Francisco de Assis Barcellos Correia (Advogado), Pedro Affonso Galvão de S. Martinho e Abreu (Restaurante Vinte e um de Abril), entre outros (OZZORI,1890:88) 

Ampliação da visão das mais importantes edificações iria permitir que se afirmasse o poder, exigindo demolições, rebaixamentos de ruas e praça, enquanto a nobreza, que exigia o centro dos poderes, aconselhava que novas formas arquitetônicas fossem implantadas e modificados seriam os elementos componentes das fachadas, mas, sobretudo, que as proporções das edificações já não representassem concepções do século XVIII, senão do XIX. A edificação, hoje numerada de 114, manteve-se fiel à concepção setecentista até quase final do século XIX, conforme nos mostram a foto n. 9 e a foto 116 de Liebenau, reproduzida por Gilberto Ferrez (FERREZ,1985:110) e a figura n. 10. Mesmo depois, a modernização se faz presente quando se compara o que se apresentava em fotos da praça, de 1870 ou 1928 (figuras 13 e 14). A planta da praça à base do retângulo, de fato, se desenvolveu ao longo do tempo e das necessidades mais imediatas, as edificações sendo “cordeadas em linha reta”, não significando, no entanto, que a praça seja um retângulo perfeito, tendo seu lado maior em linha quebrada, embora visualmente quase imperceptível. Vem este fato colaborar com  a localização da segunda Casa de Câmara, da Capela de Santa Rita e outras edificações demolidas, sejam localizadas no trecho da praça atual, mais próximo da atual Casa de Câmara e Cadeia.

A unidade de concepção das fachadas é procurada, em princípios e meados século XIX, no final deste século, no entanto, é que a desejada unidade é obtida, quem sabe para impressionar os mudancistas com uma arquitetura homogênea e bela, a par de uma transformação total da cidade, pretendida com projetos arrojados de novo bairro e excepcional viaduto.

Somente mais tarde, vencida a batalha pelos que queriam despojar a cidade de sua qualidade de capital do Estado, uma consciência nova se impõe pela beleza do conjunto, quando, pioneiramente, o prefeito Dr. João Veloso baixa o Decreto n.º 13 de 19/09/1931, não permitindo “a construção de prédios em desacordo com o estilo colonial da cidade”  devendo os existentes “serem modificados nas respectivas fachadas, quando estas tenham de receber reparos”.

Vale a pena, sem dúvida, estar a meditar sobre o evoluir de uma cidade, aqui enfocado, é verdade, apenas em uma de suas faces, aquela talvez mais importante por se constituir, a partir de certa época, no coração mesmo da vila, centro das decisões, sejam do Governador, seja dos Senhores Membros do Senado da Câmara, dos Juizes Ordinários ou de Fora, seja, posteriormente, dos Membros da Assembléia Provincial, dos Senhores Senadores Estaduais ou da Câmara dos Deputados, também dos Juizes de Direito, centro da cura das doenças de seus habitantes, centro de concentrações de conjurados como os de 1720, preconizado como centro do movimento que se planejava em 1789, centro de toda a vida da vila, por muitos e atuais anos.

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Publicado na Revista Aqui – Arquitetura + Cultura – Revista do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de Minas Gerais – Número 3 – Abril 2002, p. 71 a79.